Nota técnica: o novo coronavírus e os sistemas de esgotamento sanitário no Brasil

A Câmara Temática de Tratamento de Esgoto da ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental elaborou a nota a seguir sobre o coronavírus e os sistemas de esgotamento sanitário no Brasil.

O material foi produzido por:  Marcelo Kenji Miki (SP, coordenador geral da Câmara), Edgard Faust Filho (PR, coordenador adjunto),  Gustavo Rafael Collere Possetti.(PR, secretário executivo) e Cesar Rossas Mota Filho (MG, secretário adjunto).

Clique aqui para ver o documento na página da Câmara ou leia a  seguir:

1) O NOVO CORONAVÍRUS NO ESGOTO

Estudos recentes relatam a presença do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença denominada Covid-19 (sigla para coronavirus disease 2019), em amostras de excretas de pessoas infectadas e em esgoto de locais com focos de infecção.

Na Holanda, por exemplo, após 4 dias do anúncio da primeira pessoa infectada com o vírus, em 27 de fevereiro de 2020, iniciou-se o monitoramento semanal do esgoto do Aeroporto de Schiphol, em Amsterdam. A partir de métodos moleculares, detectaram-se materiais genéticos do referido vírus em amostras do esgoto coletadas nas proximidades do Aeroporto, bem como na estação de tratamento de esgoto localizada em suas imediações.

Não há evidências da transmissão do vírus causador da Covid-19 via feco-oral. Mesmo assim, cabem esclarecimentos acerca dos cuidados inerentes ao manejo do esgoto, sobretudo no atual cenário de pandemia declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

2) ATIVIDADE BIOLÓGICA DO NOVO CORONAVÍRUS NO ESGOTO

Ainda não se sabe exatamente quanto tempo o novo coronavírus permanece ativo no esgoto e no meio ambiente, ou seja, fora do organismo humano.

Estudos indicaram que a viabilidade no esgoto de outros tipos de coronavírus é da ordem de dias e que há uma correlação inversa com a temperatura do esgoto, ou seja, quanto maior a temperatura do esgoto, menor é o eventual tempo de permanência do vírus no esgoto na forma viável e infectiva. Por exemplo, em experimentos realizados com o esgoto proveniente de hospitais de Beijing/Pequim – China, demonstrou-se que o vírus continuou viável (infeccioso) por 14 dias, a 4 ºC, mas somente por 2 dias, a 20 ºC.

Contudo, ainda não há elementos científicos que comprovem que o vírus encontrado no esgoto pode provocar a Covid-19 por meios como a ingestão (via feco-oral), a inalação oriunda de aerossóis que contenham gotículas de esgoto contaminado ou mesmo penetração através das mucosas dos olhos e feridas e/ou aberturas em peles. Além disso, recentes avaliações realizadas sobre o assunto indicam que é pouco provável a efetividade dessas rotas de transmissão do vírus.

De qualquer forma, entende-se como importante a integração de esforços para a realização de pesquisas voltadas para a investigação do tempo de viabilidade e da infectividade do novo coronavírus no esgoto, nas condições tropicais típicas do Brasil.

3) O NOVO CORONAVÍRUS E OS PROCESSOS DE TRATAMENTO DE ESGOTO

Os processos de tratamento de esgoto, normalmente, são capazes de reduzir a carga viral a ser enviada aos corpos receptores.

Embora ainda não se tenham relatos técnicos e científicos sobre a eficiência de processos de tratamento de esgoto na remoção do novo coronavírus, sabe-se que, em geral, o tratamento secundário de esgoto é capaz de reduzir em até 2-log (ou 99%) a eventual carga de vírus ainda mais resistentes que aquele causador da Covid-19.

Sugere-se, ainda, que as limpezas de fossa sépticas e as manutenções de sistemas de tratamento de esgoto descentralizados sejam realizados por profissionais habilitados e fazendo uso dos devidos equipamentos de proteção individual (EPIs), sendo os resíduos dessas operações devidamente encaminhados para estações de tratamento de esgoto.

4) MONITORAMENTO DO NOVO CORONAVÍRUS NO ESGOTO

Estão em andamento, inclusive no Brasil, pesquisas que visam rastrear a presença do novo coronavírus no esgoto como forma de avaliar o grau de contaminação de uma determinada área de influência. Essas pesquisas argumentam que um monitoramento no esgoto possa abranger de forma mais ampla a presença do coronavírus quando comparado com os testes convencionais realizados a partir de amostras de sangue de humanos, uma vez que há um grande número de pessoas contaminadas e que não são testadas por não apresentarem sintomas.

Os procedimentos para realizar o monitoramento em questão não são triviais e envolvem a coleta de amostras de esgoto, seu apropriado condicionamento e o emprego de técnicas de microbiologia molecular. Esses procedimentos visam a determinação da carga de vírus presente na amostra de esgoto a partir da concentração e extração de seu RNA (ácido ribonucleico) e, posterior, quantificação por meio de técnica de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) quantitativo. Essas peculiaridades fazem com que apenas poucos laboratórios e centros de pesquisa no Brasil estejam aptos a realizar tais determinações. Neste momento, a prioridade de laboratórios comerciais no país tem sido a realização de ensaios em amostras clínicas para a confirmação da contaminação de humanos com o novo coronavírus.

5) CUIDADOS A SEREM ADOTADOS PELOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM COM SERVIÇOS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Conforme já citado anteriormente, não está comprovada cientificamente a rota de transmissão do novo coronavírus a partir do esgoto. No entanto, os profissionais que atuam com serviços de coleta e tratamento do esgoto devem estar atentos às orientações de profilaxia propostas pela OMS.

As boas práticas convencionalmente adotadas para proteção individual e coletiva dos profissionais que manejam o esgoto são suficientes para evitar as possíveis contaminações com o novo coronavírus. O manejo do esgoto, contaminado ou não com o coronavírus, requer cuidados rotineiros, pois diferentes agentes patogênicos podem estar presentes em sua composição, oferecendo riscos biológicos e caracterizando, normalmente, condições de insalubridade. Por isso, os profissionais que atuam na área precisam estar devidamente capacitados para executar suas funções.

De qualquer maneira, o atual cenário de pandemia requer a adoção das seguintes práticas pelos profissionais que estão expostos ao esgoto:

  • medir a temperatura corporal antes de se deslocar para o trabalho e, em caso de febre, evitar o contato com outras pessoas e buscar ajuda médica;
  • não ir ao trabalho em caso de perda de olfato ou paladar;
  • efetuar a limpeza e a desinfecção de EPIs, tais como agasalhos, luvas, botas, óculos ou protetor facial e máscara, após seus usos;
  • lavar bem as mãos com água e sabão após o contato com esgoto, bem como antes de comer e de beber;
  • evitar tocar no rosto, boca, olhos, nariz ou feridas, bem como abrir cortes em áreas próximos ao esgoto;
  • retirar a roupa usada antes das refeições;
  • fazer refeições em áreas protegidas e longe da operação de esgoto;
  • não fumar ou mascar chicletes nas áreas de trabalho próximas ao esgoto;
  • retirar calçados e roupas antes de sair do local de trabalho;
  • lavar diariamente as roupas do trabalho com desinfetantes;
  • evitar, sempre que possível, o contato direto com o esgoto ou com aerossóis que possuam gotículas de esgoto;
  • praticar o isolamento social em caso de enquadramento nos grupos de risco recomendados pela OMS ou se apresentar sintomas da Covid-19;
  • evitar a aglomeração de pessoas e manter o distanciamento de, pelo menos, 2 metros entre indivíduos, caso seja necessária a execução de atividades em equipe.

6) CUIDADOS COM INSTALAÇÕES HIDROSSANITÁRIAS E UNIDADES OPERACIONAIS DE TRATAMENTO DE ESGOTO

Os cuidados com o manejo de esgoto são recomendados desde os vasos sanitários das residências até a destinação final do efluente tratado.

Por conta das possíveis exposições a aerossóis contendo gotículas de esgoto, recomendam-se cuidados nas aproximações das seguintes instalações:

  • tanques de aeração das estações de tratamentos de esgotos, sobretudo aeradores por pás e tipo cachoeira;
  • filtros percoladores aeróbios;
  • sistemas mecânicos de desaguamento de lodo, prensas e decantadores;
  • laboratórios que processem esgoto;
  • misturadores de lodo;
  • pátios de lodo, onde ocorre o revolvimento do material;
  • tubos de quedas, com mais de 1 metro de altura (em poços de visitas);
  • ressaltos hidráulicos, em canais, caixas, vertedores e tubulações;
  • caixas de passagens, que são interligações entre o final de linha de recalque e o início da rede coletora de esgoto em gravidade;
  • caixas de proteção de ventosas de linhas de recalque das elevatórias de esgoto;
  • pontos de descargas de linhas de recalque de esgoto;
  • poços de sucção de elevatórias de esgoto.

É fundamental que as instalações hidrossanitárias estejam executadas de acordo com as normas técnicas vigentes e que sejam operadas e mantidas conforme as boas práticas de engenharia sanitária e ambiental.

7) CONTATOS E ATUALIZAÇÕES

Os profissionais da CTTE da ABES seguem atentos aos estudos sobre o novo coronavírus e os sistemas de esgotamento sanitário no Brasil, incentivando a integração de esforços, a troca de experiências e conhecimentos e a constante atualização entre a academia, o setor produtivo, o terceiro setor e os órgão de governo competentes. Caso deseje obter esclarecimentos e/ou compartilhar informações sobre o assunto, por gentileza, entre em contato por meio do seguinte endereço eletrônico: cttratamentoesgotos@abes-dn.org.br.

Fonte: http://abes-dn.org.br/?p=33406

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