“Há mais escolas com internet do que com rede de esgoto no Brasil” diz presidente do Instituto Trata Brasil

Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, fez palestra na Acij, na qual abordou a questão do saneamento básico

Édison Carlos discursando em JoinVille
Foto: Max Schwoelk / Divulgação

Em palestra na Acij, o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, fez um relato contundente da realidade do sistema de saneamento básico no País. Falou dos problemas e dos benefícios da expansão dos serviços de água e esgoto. Destaca que o nível de perdas de água dá a ideia da qualidade da sociedade. Elogiou o esforço feito pela cidade de Joinville em melhorar os índices e aplaudiu a continuidade do gestor à frente desse trabalho na Cia. Águas de Joinville. A seguir, os principais trechos de seus argumentos.

A cobertura de esgoto é muito baixa. Dá para explicar este descaso histórico?
Édison Carlos — A gente, no Brasil, corre atrás de fazer o que é mais básico. Cuidar do saneamento. Não é por acaso que se chama saneamento básico. Não se trata de saber quem não fez no passado, mas como fazer no presente. Há muito a se fazer. Importante perceber como isso afeta a sociedade, como repercute na vida de cada um. O progresso no Brasil é muito pequeno.

As carências são enormes.

Édison — Há 34 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada. Metade da população não tem acesso a esgoto. Só 42% do esgoto instalado são tratados. Então, isso significa que 58% do esgoto ficam a céu aberto, são jogados em rios… O ABC Paulista trata apenas 25% do esgoto. Guarulhos, a segunda maior cidade do interior paulista, trata apenas 5%. Isso é descaso histórico.

Que efeitos isso provoca?

Édison — Essa situação impõe doenças variadas. Especialmente diarreias, hepatite A e leptospirose, por exemplo. O Aedes aegypti se prolifera com a ausência de saneamento. E ainda há a falta de drenagem, acúmulo de lixo. Há mais escolas com internet do que com rede de esgoto no Brasil. Em 2014, havia 37,5% da população brasileira com esgoto. Em 2015, (dados oficiais mais recentes) saltou para 42%. Nas grandes cidades, o índice subiu de 47,5% para 52% no período.

Santa Catarina tem dados bastante ruins, não é?
Édison — Com dados oficiais de 2015, em Santa Catarina menos de 20% da população têm coleta de esgoto. No Paraná, o percentual é de 60%, e no Rio Grande do Sul fica abaixo de 30%. São os números mais assustadores do País. Todos falam em excelência de qualidade de vida na região Sul. Em Santa Catarina, só há 19,4% com esgoto coletado. Temos um problema nacional com dimensões diferentes. Isso choca.

Faltou estratégia, vontade, o quê?
Édison — Mostro um exemplo. O Estado de Santa Catarina retrocedeu da decisão de se candidatar a obter financiamento do BNDES para saneamento. O governo estadual desistiu até de pedir ao BNDES o estudo de modelagem para o financiamento. Penso que o Estado perdeu uma oportunidade importante.

Um dos problemas mais sérios é o da grande perda de água entre a produção e a chegada às casas dos consumidores. O que fazer neste caso?
Édison — Em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, as perdas de água chegam a 50% de tudo o que é distribuído para a população. Em Joinville, as perdas são de 47%. As redes são antigas… enfim. Cuidar de reduzir as perdas tem de ser um treino financeiro diário. É como se uma panificadora estragasse metade dos pães durante o processo de produção. Nenhuma empresa sobrevive desse jeito.

Essa situação dificulta às empresas de saneamento a obtenção de empréstimos de bancos para ampliar cobertura.
Édison — Quem é que empresta dinheiro para uma empresa com perda diária de receita de 50%? Ninguém! A perda é sinônimo de deficiência do sistema. Claro que em todo o lugar do mundo há perdas.

Qual índice é considerado razoável?
Édison — O aceitável, a perda razoável, é de 18%. Não dá para aceitar perdas de 40%, de 50%. Nós pagamos por isso. Conheço cidades que colocam todas as perdas na tarifa. Não é o caso de Joinville.

A gestão da companhia que cuida do saneamento é fundamental para bom atendimento.
Édison — A continuidade da gestão é superimportante. Aliás, é preciso cumprimentar o prefeito de Joinville por dar continuidade à gestão na Cia. Águas de Joinville. Manter a estrutura e as pessoas de comando são essenciais. Não dá para mudar tudo a toda hora. Dois anos sem investimentos, e as perdas de água aumentam. Então, a classificação do município cai no ranking do Trata Brasil. Um outro exemplo: o município de Rio Claro (São Paulo) melhorou muito seus números. Ter mantido a mesma equipe e feito investimentos, há dez anos, têm importância.

Para municípios pequenos, a formação de consórcio é alternativa?
Édison — Em variadas circunstâncias, o trabalho por consórcio entre municípios vizinhos é interessante. Garante escala no atendimento e reduz custos. Principalmente em municípios pequenos, que não têm condições de ter equipes próprias e nem dinheiro para executar os serviços.

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Quais são os benefícios econômicos de investimentos em esgoto?
Édison — Os investimentos em saneamento (água e esgoto) trazem benefícios econômicos em várias frentes para as comunidades. Melhora a educação, que melhora o padrão salarial e a renda da população; melhora a saúde e, então, reduz o absenteísmo dos trabalhadores. E também aumenta o valor dos imóveis.

SC aplica pouco?
Édison — Santa Catarina investiu só R$ 1,1 bilhão de 2013 a 2015. Santa Catarina precisa investir R$ 8 bilhões para melhorar seus indicadores e caminhar para a universalização do sistema de esgoto.

Qual é o papel das pessoas nesse processo?
Édison — Não são só os governos (municipal e estadual) que têm responsabilidades pela situação. Muita gente não se conecta à rede de esgoto disponível em frente de sua casa porque não quer pagar a mais na conta de água.

O modelo de gestão privada é melhor do que a atuação de companhias públicas?
Édison — Das 20 melhores cidades com cobertura de saneamento no País, 16 têm o serviço gerido pelo setor público. Para o Trata Brasil, não importa se a administração é pública (municipal ou estadual) ou privada.

Fonte: ANotícia

Coluna: Claudio Loetz

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