Conheça a história da família que não entendia nada de agricultura e hoje comanda uma propriedade de 42 hectares onde o forte são as alfaces
É possível ter uma propriedade rentável no sistema orgânico? Um sítio gerido por mãe e filha em Nova Friburgo, na região serrada do Rio de Janeiro, mostra que sim.
São 42 hectares, 6 deles com lavouras. O forte são as alfaces. “Trabalhamos com cerca de 26 a 32 variedades. Aí rodamos com brássicas, brócolis, couve-flor e as umbelíferas, que são cenoura, salsa, aipo”, explica a proprietária, Jovelina Fonseca.
Nos anos 90, a família trocou a cidade pelo campo sem saber nada de agricultura. “Nós sabíamos que íamos nos aposentar jovens e ao mesmo tempo queríamos uma atividade diferente”, conta ela.
Não existia nenhuma plantação no terreno. Jovelina era estatística. O marido, Luiz Paulo, que morreu no ano passado, era professor de bioquímica. A filha Carolina ainda era pequena. Certeza mesmo, eles só tinham uma: produzir sem agrotóxicos.
“Naquela época, pouca gente investia na produção orgânica. Era um movimento ainda muito pequeno. Tinha pouca informação”, lembra a agricultora. “Por isso o sítio cultivar (orgânicos) virou uma espécie de campo de testes.”
Mais de 40 produtos diferentes foram para a terra. Nem todos ficaram.
Descanso da terra
Entre as práticas essenciais estão o “pousio” e as rotações de culturas. “Você nunca planta alface de novo, no mesmo lugar. Você sempre vai plantar outra espécie”, explica Jovelina.
Um dos espaços está sem hortaliças há cerca de 1 ano. “É um tempo para a terra descansar e também absorver nutrientes”, diz ela. Outro canteiro tem plantas leguminosas não comerciais que ajudam a enriquecer o solo para as hortaliças no próximo ciclo.
Como na agricultura orgânica não se pode usar herbicida –agrotóxico usado para eliminar plantas daninhas– o manejo é completamente diferente. E abre espaço, inclusive, para uma convivência pacífica com o que se chama de mato.
Os canteiros são capinados com moderação. Ao redor deles, plantas de diferentes tipos abrigam todo um ecossistema, com insetos, inclusive.
Uma planta serve de esconderijo para o predador de um inseto. Ou então de casa para o inseto bom. Assim, toda a preservação da diversidade proporciona também o equilíbrio do ecossistema.
Sementes caseiras e calendário
Juntas, Jovelina e Carolina, hoje com 35 anos, comandam o sítio. A filha estudou turismo, trabalhou 7 anos no setor hoteleiro e depois fez pós-graduação em biodinâmica e mestrado em agricultura orgânica.
Acabou descobrindo uma paixão: as sementes. “Por não haver tanta oferta de semente orgânica, a gente acaba tendo que comprar semente convencional, que vem com agrotóxico. Isso é permitido por lei, mas, ideologicamente, não é o que a gente busca”, explica.
Vários tipos de alface já têm sementes caseiras.
Os produtos têm certificado orgânico e, por isso, todos os insumos têm de ser aprovados pelas regras desse sistema. Como adubo é usado, por exemplo, o bokashi. É um fermento orgânico, de receita japonesa, rico em microrganismos.
O plantio fica por conta de Jovelina, que usa um calendário biodinâmico. É um tipo de calendário astronômico que indica os melhores momentos plantar ou colher diferentes espécies.
Vendas pela internet
Metade das vendas são feitas direto aos consumidores, pela internet. A outra metade vai para supermercados da região serrana e do Rio. Elas ganharam mercado processando parte das hortaliças no sítio mesmo: saem lavadas e embaladas.
“A partir de 2000, ou seja, praticamente 10 anos depois, é que nós conseguimos delinear um perfil tanto de comércio como de produção. Aí, a partir desse momento, a propriedade começou a se autogerir. Mas nós estamos fazendo investimentos o tempo todo”, explica.
Em 2011, quando a chuva fez desabar os morros da região e matou centenas de pessoas, o terreno dela foi tomado pela lama, que destruiu lavouras, lagos, estrada.
“Eu, pessoalmente, quando passo por uma adversidade, procuro ver o que está me ensinando”, reflete. “Um grande ensinamento de que a gente é desse tamanhinho, né?”