Problemas vão da burocracia à má qualidade de projetos
O governo federal pretende anunciar, em maio, R$ 1 bilhão para obras de saneamento básico, drenagem e pavimentação. Cifras bilionárias à disposição dos municípios, no entanto, não são suficientes para resolver os atrasos históricos nessa área. Centenas de obras contratadas há dez anos, durante a primeira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foram abandonadas ou nem começaram a ser feitas. Levando-se em conta apenas os projetos do PAC 2, a partir de 2015, 27% ficaram prontos, enquanto 14% não começaram.
Enquanto isso, cerca de cem milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto e 30 milhões não têm acesso a água potável. Além do impacto direto na qualidade de vida, a falta de saneamento está ligada a surtos de diarreia e hepatite A e a doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (dengue, zika e chicungunha) ou por ratos (leptospirose). A situação é ainda mais grave em regiões como a Favela Olaria, na Zona Sul de São Paulo, que, por estar em uma área de invasão, não tem nem previsão de obras.
— A gente toma água com gosto de barro, mesmo, que é a que tem. Vem de uma ligação clandestina e não é tratada. Tem criança que passa mal, mas não tem muito o que fazer — relata a líder comunitária Regina Célia Ribeiro, de 45 anos, que diz ter cansado de socorrer vizinhos com sintomas de doenças que vão de simples viroses a dengue. — E o esgoto vai para o córrego. Mas, quando entope algum cano, entra tudo nos barracos.
Em Porto Velho, obras de um sistema de esgoto previstas desde 2007 estão paradas após sucessivos problemas com editais. A cidade tem a pior taxa de coleta entre as capitais do país, com apenas 3,7%, o que não deve mudar tão cedo. Profissionais que trabalham com saneamento básico afirmam que o lento ritmo de entrega de obras de saneamento no Brasil está ligado a fatores que variam da burocracia para conseguir liberação dos recursos e licenças ambientais à falta de qualidade dos projetos apresentados pelos municípios quando solicitam verbas federais.
— Há casos em que a obra demora para começar. Em outros, projetos levam 23 meses entre idas e vindas até que sejam autorizados. O país ainda está tentando encontrar caminhos mais rápidos para fazer isso porque o saneamento precisa ser encarado com urgência — afirma Édison Carlos, presidente da ONG Trata Brasil.
Levantamento feito no ano passado pela organização mostra que 48% das obras previstas nos PACs 1 e 2 nos últimos dez anos não foram concluídas. Em fevereiro, o Ministério das Cidades divulgou um relatório de execução da segunda versão do PAC, em que dizia que ficaram prontos até o fim de 2016 27% dos projetos de esgoto e 26% das obras de água.
— Todo investimento é bem-vindo, mas o PAC não conseguiu resolver o problema do saneamento. O setor passou tanto tempo sem recursos que não se estruturou de forma adequada — afirma Carlos.
A intenção de liberar mais recursos para obras de saneamento básico foi anunciada pelo ministro Bruno Araújo no último dia 23. Na ocasião, ele inaugurava a retomada de uma obra de drenagem em Recife. Procurado desde quarta-feira, o Ministério das Cidades não respondeu aos questionamentos do GLOBO sobre como serão feitos os novos financiamentos para obras de saneamento nem sobre o ritmo dos projetos existentes.
INVESTIMENTO É INSUFICIENTE
O ritmo de investimento do governo federal, dos estados e das empresas de saneamento nos últimos anos está aquém do necessário para atingir a meta de universalização dos sistemas de água e esgoto até 2033, como previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico. Segundo estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), o objetivo seria alcançado se o país investisse cerca de R$ 15 bilhões ao ano. Entre 2014 e 2016, a verba anual destinada a obras nessas áreas ficou em torno de R$ 9 bilhões, de acordo com a Abes.
— Temos um déficit no ritmo de investimento. E já sabemos que 2017 não vai chegar ao nível ideal. Os governantes precisam entender que o saneamento precisa ser prioridade. Hoje, 41% das escolas do país têm internet, mas só 33% têm coleta de esgoto, numa mostra de que o problema não está sendo enfrentado — afirma Roberval Tavares de Souza, presidente nacional da Abes.
Estudos internacionais citados por Souza mostram que, a cada US$ 1 investido em saneamento, são economizados de US$ 4 a US$ 6 na área de saúde pública, com remédios, exames e internações. No fim de janeiro, o governo federal informou que pretendia investir, ao todo, R$ 9 bilhões ao longo do ano, financiados por bancos públicos como a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
POR TIAGO DANTAS
Fonte: www.oglobo.globo.com